Oda a los livros que no puedo comprar - Jorge de Sena

En época de ferias, éste poema de Jorge de Sena:

Oda a los libros que no puedo comprar

Hoy, hice una lista de libros

y no tengo dinero para poder comprarlos.

Es ridículo llorar por falta de dinero

para comprar libros,

cuando a tantos les falta para no morir de hambre.

Pero también es cierto que yo vivo aún peor

que mi vida difícil,

para comprar algunos libros

–sin ellos, también me moriría de hambre–,

porque el exceso de dificultades en la vida,

la cuenta, cierta al fin, de traiciones y puertas que se cierran

los lamentos que oigo, los diarios que leo,

todo eso debo ligarlo a mí profundamente,

a través de cuanto sintieron, ya solos o mal acompañados,

algunos otros que, si les hablase,

destruirían sin piedad, a veces sólo con el rostro,

cuanta humanidad voy juntando pacientemente,

para que no se pierda en las curvas de la vida,

donde es tan fácil perderla de vista, si la curva es más rápida.

No puedo ni sé olvidarme de que se muere de hambre,

ni de que, en breve, se morirá de otra hambre mayor,

del tamaño de las esperanzas que ofrezco al apagarme,

al atribuirme un sentido, una ausencia de mí,

capaz de permitir la unidad que una presencia destruye.

Por eso, necesito comprar algunos libros,

unos que nadie lee, otros que yo mismo mal leeré,

para, cuando se me cierre una puerta, abrir uno de ellos,

hojearlo pensativo, arrumarlo como inútil,

y salir de casa, contando las monedas que me quedan,

a ver si alcanzan para ir en tranvía

hasta otra puerta.

Texto original:

Ode aos livros que não posso comprar

Hoje, fiz uma lista de livros,

e não tenho dinheiro para os poder comprar.

É ridículo chorar falta de dinheiro

para comprar livros,

quando a tantos ele falta para não morrerem de fome.

Mas também é certo que eu vivo ainda pior

do que a minha vida difícil,

para comprar alguns livros

–sem eles, também eu morreria de fome,

porque o excesso de dificuldades na vida,

a conta, afinal certa, de traições e portas que se fecham,

os lamentos que ouço, os jornais que leio,

tudo isso eu tenho de ligar a mim profundamente,

através de quanto sentiram, ou sós, ou mal-acompanhados,

alguns outros que, se lhe falasse,

destruiriam sem piedade, às vezes só com o rosto,

quanta humanidade eu vou pacientemente juntando,

para que se não perca nas curvas da vida,

onde é tão fácil perdê-la de vista, se a curva é mais rápida.

Não posso nem sei esquecer-me de que se morre de fome,

nem de que, em breve, se morrerá de uma fome maior,

do tamanho das esperanças que ofereço ao apagar-me,

ao atribuir-me um sentido, uma ausência de mim,

capaz de permitir a unidade que uma presença destrói.

Por isso, preciso de comprar alguns livros,

uns que ninguém lê, outros que eu próprio mal lerei,

para, quando se me fechar uma porta, abrir um deles,

folheá-lo pensativo, arrumá-lo como inútil,

e sair de casa, contando os tostões que me restam,

a ver se chegam para o carro eléctrico,

até outra porta.